O que mudou 8 anos depois da política de resíduos sólidos no Brasil

Autor: Murilo Roncolato - Fonte: https://www.nexojornal.com.br

Depois de oito anos da aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos pelo governo brasileiro, o tema continua sendo negligenciado no país. De um lado, a ausência de um plano com medidas e metas claras a serem adotadas por estados e municípios. De outro, o descumprimento do prazo, vencido em 2014, para dar fim a lixões e garantir que rejeitos sejam descartados em locais ambientalmente adequados.
Sancionada depois de 19 anos tramitando no Congresso, em agosto de 2010, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva – que se referiu à lei como “uma revolução em termos ambientais” –, a PNRS tinha propostas modernas para um problema antigo no país: o que fazer com todo o material gerado pelo consumo humano, seja ele orgânico (como restos de alimentos), reciclável (embalagens de plástico, vidro, papelão etc) ou, finalmente, um rejeito comercialmente irrecuperável.
A lei distribuiu a responsabilidade do problema entre os diferentes setores envolvidos.
Aos governantes, caberia estabelecer planos, garantir a infraestrutura para disposição adequada dos resíduos, organizar e fiscalizar o cumprimento da lei. Ao setor privado, ela introduziu o conceito de “logística reversa”, que deu às empresas envolvidas na cadeia de um produto a responsabilidade de recuperá-lo e fazer seu descarte corretamente depois de usado. E à população, o papel de separar e descartar seus resíduos e rejeitos de modo adequado.
Em relatório publicado em janeiro de 2018, a Controladoria-Geral da União avaliou se o governo federal estava fazendo o seu papel na execução da política, já que o cumprimento do prazo estabelecido para acabar com lixões no páis já está estourado há quatros anos.
A conclusão do órgão do governo é de que, para o tema avançar, ele precisa se tornar prioridade “no âmbito do Governo Federal” e objeto de “maior engajamento dos estados e municípios”.
Até hoje, por exemplo, não há um plano nacional aprovado oficialmente pelo governo federal, apenas um documento “preliminar” concluído em 2012 e disponibilizado na internet. Sobre a falta dessa espécie de “guia”, a CGU diz que “a versão atual do Plano Nacional não é plenamente válida, está desatualizada e a sua revisão só deve ser concluída em 2019”, data prevista para que o trabalho, que conta com ajuda de uma consultoria internacional, seja concluído.
“Portanto, a União até o momento não tem um instrumento legítimo para orientar e exigir que Estados e Municípios elaborem seus próprios planos”, diz o relatório.
Ao jornal O Globo, em julho de 2018, o presidente da CNM (Confederação Nacional de Municípios), Glademir Aroldi, reforçou a afirmação da controladoria.
“Como os municípios vão produzir seus projetos se os estados e a União não fizeram os seus? Temos que nos basear no que é criado por essas esferas de poder”, disse. “Os aterros sanitários são métodos de alto custo e complexidade técnica, cuja viabilidade econômica só é possível quando atendem a pelo menos 100 mil habitantes. Mais de 90% das cidades brasileiras são menores que isso e têm dificuldades financeiras para firmar consórcios.”

Estado dos lixões
No texto da lei, o governo federal condiciona o envio de recursos aos municípios à aprovação de planos de gestão de resíduos sólidos localmente.
De acordo com dados da Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais) e do Sinir (Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos), 59% dos municípios disseram não contar com planos próprios sobre o tema.
Quanto à estrutura de descarte, em 2016, 48% dos municípios disseram descartar todo resíduo sólido coletado em lixões e 8% em aterros controlados (espaços com estrutura mínima  e, por isso, também considerados inadequados).
Apenas 41% dos municípios dizem descartar seus resíduos sólidos coletados em aterros sanitários, locais considerados mais adequados por causarem menos dano ao meio ambiente e dotados de estrutura para proteção do solo, controle de chorume e de gases produzidos pelo material.
Para a coordenadora da área de resíduos sólidos do Instituto Pólis, Elisabeth Grimberg, o panorama só reforça o grau de baixa implementação da política aprovada em 2010.
“A questão é que não se tem nenhum mecanismo de punição ou controle e fiscalização disso. Não há metas de longo prazo que determinem, por exemplo, que até 2030 uma tal porcentagem dos materiais deve ser destinada para reciclagem. Isso não existe e é um problema”, disse a especialista ao Nexo.
Sobre a baixa adesão pelos municípios, Grimberg diz que a falta de recursos da União não deve servir de desculpa para o atraso. Ela afirma ser possível reduzir o custo de gestão de resíduos sólidos apenas separando material reciclável (em articulação com cooperativas de catadores e empresas) e orgânico (fazendo uso de sistemas de compostagem e biodigestão).
“Nós temos cerca de 4 mil municípios com até 50 mil habitantes. Não faz sentido coletar esse material todo e ficar levando em aterro sanitário”, afirmou. Como resultado da reutilização do material orgânico – que, segundo a especialista, representa de 50% a 60% do total de resíduos produzidos nas residências – os municípios poderiam produzir fertilizantes naturais e orgânicos, “material que é muito desejado”, e reduzir a importação de fertilizantes químicos.
“Imagina a revolução que seria ter o uso desse material que é orgânico, muito mais saudável, e constituindo a lógica da economia circular. Desde que o resíduo seja bem separado, o que é possível se a população for educada para isso, gera-se um composto de boa qualidade, o que é algo viável muito interessante”, diz Grimberg.

Tornando realidade
A coordenadora de resíduos sólidos do Instituto Pólis diz que uma forma de colocar as diretrizes em prática é “começar pelas bordas”. Como exemplo, cita a inclusão de sistemas de compostagem e estações de coleta de material reciclável em escolas e feiras, o que pode ser feito com recurso privado por meio de parcerias.
“Não precisa exigir que todas as residências adotem essas práticas de repente. O município pode ir ganhando experiência e promovendo essa cultura aos poucos”, diz.
Quanto às empresas, é fundamental que elas sejam cobradas por sua cota de responsabilidade no assunto. E isso envolve desde custeio de equipamentos públicos de coleta adequada até o compromisso de repensar o modo como seus produtos são desenvolvidos e embalados.
De um ponto de vista mais amplo, no entanto, Grimberg considera ser papel dos Ministérios Públicos Estaduais, bem como dos órgãos ambientais nos estados, de cobrar o fechamento de lixões nos municípios. “Lixão é crime ambiental desde 1998. Isso não poderia estar acontecendo. É possível estipular metas e cobrar o cumprimento pelos municípios por meio de TACs”, afirmou, referindo-se ao Termo de Ajustamento de Conduta, um dispositivo do Ministério Público previsto em lei desde 1985 que evita uma ação judicial e repara o dano a um direito coletivo.
Quanto ao Plano Nacional de Resíduos Sólidos, Grimberg diz que ela precisa ser atualizada e demais planos, estaduais e municipais, precisam se tornar realidade.
 

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